Empatia
- Ked Maria
- 20 de ago. de 2018
- 3 min de leitura
Olhei para aquele convite nas minhas mãos já pensando em uma boa desculpa para não ir na festa a fantasia. Se fosse uma comemoração casual com certeza já teria falado que não tenho roupa adequada e fugiria de mais uma obrigação de socializar, mas como a vida não é boa comigo esse festejo é para bebemorar o aniversário da minha melhor amiga. O que torna as coisa um pouco mais complexas, recusar seria no mínimo ofensivo e ingrato da minha parte.
A parte ruim de ser introvertida e ter uma amiga que adora fazer amizade até com os cachorros da rua, é que ela conhece toda a cidade e você não sabe nem cumprimentar as pessoas. Nossa amizade surgiu na época da escola quando o que queria era silêncio e livros e ela um ouvido para afogar as mágoas. Sou péssima em negar as coisas e o companheirismo não pediu passagem para amarrar nós duas. Tive certeza que queria a Lívia por perto quando ela saiu em defesa das mulheres numa discussão em sala de aula. Fascino-me com o brilho que a acompanha e ilumina os lugares que ela chega, sempre sorridente, falante e por dentro tem um coração de manteiga.
Crescemos juntas, descobrimos na prática todas as conversas que nunca foram para a mesa do almoço de domingo, confessamos momentos marcantes e as experiências sexuais. Acompanhei seus desesperos com a menstruação atrasada e ela minhas lágrimas com meus relacionamentos fracassados. Lembro das conversas sobre os desenhos animados e as brincadeiras baseadas nos programas de TV. Lívia sempre quis ser a Lindinha das Meninas Super Poderosas, queria ser líder, forte, decidida e não chorar com as brigas que resultaram nos hematomas na pele da sua mãe. Desejava defender todos que não conseguiam segurar o rio dentro dos olhos, seu super poder era defender quem não tinha voz e fazia isso de forma doce, mas firme.
Convencida de que não existe desculpa para negar algo a uma amiga, fui procurar uma fantasia. Procurei em meu guarda-roupa algo que pudesse usar, achei balões roxos, calça marrom e uma blusa lilás, nesse momento tive certeza do que iria: de uva! Passei a tarde toda enchendo e amarrando bexigas, descobri que tenho um ótimo fôlego. Quando chegou o momento de sair na rua a vergonha tomou conta de cada parte do meu corpo, o medo das risadas alheias e aleatórias dos desconhecidos rondavam minha cabeça, um verdadeiro sofrimento até chegar no local, onde fui recebida com um abraço a distância de alguns balões.
Comi, bebi, evitei todas as pessoas ao máximo e quando sentei em algum lugar, no final da festa, percebi as fantasias e quantos super poderes estavam escondidos embaixo das máscaras. Se a Lívia queria salvar todos do sofrimento eu só queria ter o poder de transmitir todo o sentir de uma pessoa para a outra. Imagina a quantidade de mágoas que seriam evitadas. O Gregório sentado no sofá vestido de índio, talvez se ele sentisse como me senti no primeiro ano quando ele me puxava os cabelos para mostrar como era diferente dos demais, ele não recriminaria o filho que quer uma boneca de presente. A Sarah, vestida de grega, sentisse como é ter os dedos apontados para a seu rosto enquanto as risadas enchem o ambiente, não ririam da Simone que é gorda. Talvez se todas as sensações fossem vividas não provocaríamos tanto pesar na formação de outro ser humano.
Voltei para a casa com minha fantasia murcha ou estourada, tomei um banho cansada de ser quem não sou, mas feliz por ter visto que estava lá quando minha amiga precisou de mim.

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