O Crush do Ônibus
- Ked Maria
- 16 de jul. de 2018
- 4 min de leitura
A minha relação com os ônibus é muito íntima. Adoro sentar do lado da janela no banco mais alto, encostar a cabeça no vidro e ficar imaginando um vídeo clipe com uma música romântica passando nos fones. O amor com esse transporte acaba quando tenho que embarcar às 18 horas e ele vem lotado. Não há lugar. Não há espaço. Não há ar circulando, só dor e sofrimento. Como uma boa cobra criada já sei o que fazer para conseguir um lugar e seguir a viagem plena, sentada e com direito de mexer no celular. Já entro com sangue nos olhos pronta para a batalha, observando as roupas das pessoas que estão sentadas, agora é só fica ao lado da que parece descer no meio do caminho e esperar que o Universo seja bonzinho.
Próxima parada, metade dos passageiros descem e com o sorriso da Paola Bracho, sento-me como a rainha do proletariado. Armada com meus fones coloco uma musiquinha para comemorar a vitória. As pessoas ao redor parecem não se importar muito com a minha conquista, já que a parte da frente estava lotada de adolescentes, com suas gritarias e a perturbação da ordem. Afinal todos sabem as regras do horário de rush nos transportes públicos: Não encostar, arrumar um lugar que não incomode o próximo e acima de tudo não conversar. Ninguém quer saber se vai chover, se o Galo vai perder ou se o Cruzeiro vai jogar, ninguém se importa, sério! As pessoas só querem paz na hora de voltar para casa.
Faço questão de colocar o volume no máximo e começo a verificar minhas redes sociais, talvez assim consiga ignorar a bagunça que está rolando e a cara de reprovação da galera pós-roleta. Do jeito que conheço as pessoas do meu bairro, ninguém vai se levantar caso entre um senhorzinho ou um bebê, então começo a pedir para a deusa que não tenha nenhum idoso ou alguém com criança de colo em pé, antes de dá uma conferida com aquela olhada 360°. Não me julgue, fiquei em pé o dia inteiro e eu realmente briguei por esse lugar, mas se os “sem-noções” que estão sentados nos bancos amarelos não se levantarem, terei que ceder. Levantei a cabeça devagar e só consegui pensar em um “amém” quando vi que não precisava entregar minha vitória.
O motorista parece não se importar com nada (ou já está acostumado, vai saber) coloca o pé no acelerador e sai voando pelas ruas. Na entrada do bairro, três policiais param o ônibus e manda todos da parte da frente descer. Os pós-roleta comemoram, felizes que a viagem irá seguir em silêncio. Lerda como sou, não percebi nada, só comecei a notar algo estranho quando já tinha se passado 5 minutos que o veículo estava parado. Entre alguns “sim, senhor!” e “coloca essa carroça para andar, motô!” os policiais fizeram alguns pagarem a passagem e outros descerem, após toda a confusão o coletivo partiu.
Voltei para a minha cara de “não ligo, só queria ter dinheiro para sair hoje” e os dedos voltaram a deslizar na tela do celular. Na esquina recomeça a gritaria, um dos meninos que desceu na parada com os policiais, faz o motorista parar na esquina e os companheiros que estavam na frente (e agora fazem parte dos pós-roleta) pagam a sua passagem. O garoto entra, para bem do meu lado e começa a reclamar de todo o ocorrido.
Aquela voz.
Continua rindo da forma como os policiais o trataram.
Não poderia ser, eu conhecia aquela voz.
Reclamações aqui, risos ali, mais gritaria, mais pessoas com cara de bravas.
Onde eu ouvi aquela voz?
A voz daquele garoto me fez voltar aos meus 15/16 anos, no quarto de um namoradinho, deitada na cama de sutiã e calcinha aos beijos, a música rolando e o quarto com pouca iluminação. Olhei para o jovem em pé ao meu lado, parecia ter minha idade 22 anos, com uma blusa de frio mais larga, um sorriso lindo e a voz idêntica ( eu quero dizer IDÊNTICA) ao meu segundo namorado, ou seria o terceiro? Não importa, só sei que que quero beijar esse menino. Ele olhou de volta e seu olhar foi se transformando de “olá!” para “ tá incomodada moça? desce!”. Encolhi no banco e voltei para o celular.
Sabia que essa hora chegaria, estou de “crush” com um cara do ônibus. Não! Não é só uma cara do ônibus, eu estou crushando um pivete. Mãe pode começar a ter vergonha da sua filha, porque eu queria muito um remake com o ex-boy e esse menino me teria fácil na cama. Poderia negar, falar que foi só uma loucura, mas o fato é que eu daria lindo para ele, já estou imaginando ele no meu ouvido com essa voz maravilhosa, aí… a Abigail chega a bater palminha. Dou mais uma verificada no sujeito, ele não é bonito, porém a minha boca ficaria melhor colada na boca dele.
O próximo ponto é o meu, agora é a hora! Levantei já empinando a bunda para ele poder me notar (coisa que não aconteceu) e com o maior charme puxei a cordinha para dar sinal, nada funcionou. Tinha duas opções: ignorar aceitando o fato que eu não iria ter nada com ele ou chegar lá e dar meu número de telefone. O ônibus parou, era o momento. Como em uma cena de filme a porta se abriu, fiquei no vai-e-vem, todos olharam para a minha pessoa, que desceu correu e olhando para o chão. Acabou, meu “crush” foi embora. Segui para a casa pensando como sou covarde.
Eu só queria dar pro pivete.

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